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Nota técnica: Cargos em Carreira da Polícia Federal

Foto imagem Cargos em carreira na Polícia Federal

Cargos em Carreira da Polícia Federal

Por: Magne Cristine

NOTA TÉCNICA

Assunto: MEDIDA PROVISÓRIA - MPV Nº 650/2014, de 30/06/2014.

Diante das inúmeras polêmicas envolvendo a tramitação da Medida Provisória 650/2014, que trata da carreira policial federal, que foram propagadas pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF, o Conselho Jurídico da FENAPEF, juntamente com o Grupo de Trabalho criado pela Portaria no 002/2014, de 21/07/2014, vem apresentar os esclarecimentos de fato e de direito a seguir expostos:

2. A Federação Nacional dos Policiais Federais - FENAPEF e o Governo Federal, por intermédio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP firmaram em 30/05/2014 o Termo de Acordo no 001/2014, no qual ficaram definidas algumas medidas para serem implementadas pelo Governo Federal, conforme a seguir:

Cláusula sexta. O MP encaminhará à Casa Civil da Presidência da República, no prazo de 15 (quinze) dias, a proposta que implementará a reestruturação da Carreira Policial Federal referente aos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista do DPF na forma das cláusulas segunda e terceira.
§1o As partes declaram estar cientes de que os efeitos financeiros da reestruturação remuneratória em 2014 dependem da aprovação de alteração na Lei no 12.919, de 24 de dezembro de 2013 0 Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO-2014) e de adequação à Lei Orçamentária Anual de 2014 (LOA 2014).

§2o As partes assumem o compromisso de atuar em prol da viabilização dos efeitos financeiros da reestruturação remuneratória em 2014.

3. A cláusula segunda e a terceira do Termo de Acordo, por sua vez, dispõem:

Cláusula segunda. As tabelas remuneratórias dos cargos abrangidos por este Termo serão reestruturadas em 2 (duas) parcelas, sendo a primeira de 12% sobre o subsídio atual, e a segunda de 3,4%, totalizando 15,8%, com efeitos financeiros na forma do Anexo I.

Cláusula terceira. O instrumento legal de reestruturação definirá, para todos os fins legais, que a Carreira Policial Federal é classificada como de Nível Superior, com modificação na Lei 9.266/96, abrangendo especificamente neste Termo os ocupantes dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista do DPF.

4. O instrumento legal de reestruturação decorrente do Termo de Acordo no 001/2014 foi materializado na Medida Provisória - MP 650/2014 (LINK), que deu início à primeira fase do processo de reestruturação da Carreira Policial Federal referente aos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista do Departamento de Polícia Federal, que dispôs basicamente sobre os dois pontos:

a) Alterou a redação do art.2o da Lei no 9.266/96, ratificando o nível superior dos cargos da Carreira Policial Federal, dispondo que a Lei no 9.266, de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 2o A Carreira Policial Federal é composta por cargos de nível superior, cujo ingresso ocorrerá sempre na terceira classe, mediante concurso público, de provas ou de provas e títulos, exigido o curso superior completo, em nível de graduação, observados os requisitos fixados na legislação pertinente”.

b) Estendeu aos Escrivães, Agentes e Papiloscopistas o reajuste de 15,8% que foi concedido pelo Governo Federal a todas as categorias dos servidores civis da União em 2012: “Art. 3o O quadro II do Anexo II da Lei no 11.358, de 19 de outubro de 2006, passa a vigorar na forma do Anexo I a esta Medida Provisória”.

5. A MP 650/14, apesar de dispor sobre o termo “reestruturação”, apresentou poucas alterações à Carreira Policial Federal. A única inovação da MP 650/14 foi a disposição sobre a terceira classe dos cargos da Carreira Policial Federal, uma vez que não constava sequer na Portaria no 523/89-MPOG, que é o único normativo que tratava de atribuições dos cargos da Carreira e que foi anulada por decisão judicial da 4a Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal (LINK).

6. A segunda fase da reestruturação dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista da Carreira Policial Federal, definida no referido Termo de Acordo, está em andamento e vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Trabalho (GT) composto de representantes da FENAPEF e do Governo Federal (Ministério do Planejamento, Ministério da Justiça e Departamento de Polícia Federal).

7. A apresentação da MP 650/14 pautou-se nos aspectos de relevância e urgência da matéria. Os Agentes, Escrivães e Papiloscopistas da Polícia Federal pertencem à única categoria que não havia recebido o reajuste, concedido pelo Governo Federal em 2012, no índice de 15,8% em três parcelas anuais (2013, 2014 e 2015). Por outro lado, o Governo Federal incluiu na mesma MP 650/2014 o reajuste dos Peritos Federais Agrários do INCRA, uma vez que foi vetada a lei decorrente da Medida Provisória 632/2013 que concedeu o referido reajuste, percebido por essa categoria desde janeiro de 2013.

8. A aprovação da MP 650/2014 produzirá os impactos orçamentários relativos à implantação da primeira parcela do reajuste no índice de12%, retroativo a 20/06/2014, conforme consta em seu anexo, não implicando qualquer outro impacto orçamentário.   

Do nível superior dos cargos da Carreira Policial Federal

9. A Carreira Policial Federal foi criada pelo Decreto-Lei no 2.251, de 26/02/1985, compondo-se de seis cargos: Delegado, Censor e Perito (de nível superior) e Agente, Escrivão e Papiloscopista (de nível médio):

Art 1o Fica criada, no Quadro Permanente do Departamento de Polícia Federal, a Carreira Policial Federal, composta de cargos de Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal Federal, Censor Federal, Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal e Papiloscopista Policial Federal, conforme o Anexo I deste Decreto-lei, com os encargos previstos na Constituição Federal e na legislação específica.

[...]

Art 4o O ingresso nas Categorias Funcionais da Carreira Policial Federal far-se-á mediante concurso público, sempre no Padrão I da Segunda Classe, segundo instruções a serem baixadas pelo Diretor- Geral do Departamento de Polícia Federal, observada a legislação pertinente.

10. No ano de 1987, foi publicado o Decreto-Lei N° 2.320, que disciplinou o ingresso nas agora chamadas “categorias funcionais” da Polícia Federal, conforme rezava o art.1o, in verbis:

Art. 1° A Carreira Policial Federal far-se-á nas categorias funcionais de Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal Federal, Censor Federal, Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal e Papiloscopista Policial Federal, mediante progressão funcional, de conformidade com as normas estabelecidas pelo Poder Executivo.
1° As categorias funcionais de Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal e Censor Federal são classificadas como categorias de nível superior.
2° As categorias funcionais de Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal e Papiloscopista Policial Federal são classificadas como categorias de nível médio.
[...]
Art. 7° São requisitos para a inscrição em processo seletivo, para o preenchimento de vagas oferecidas em curso de formação ou de treinamento profissional, realizado pela Academia Nacional de Polícia:
[...]
VI – possuir certificado de conclusão do 2° Grau de Ensino Médio, quando se tratar de concurso para ingresso nas categorias funcionais de nível médio;
VII – possuir diploma de Bacharel em Direito, para a categoria funcional de Delegado de Polícia Federal;

VIII – para a categoria funcional de Perito Criminal Federal, possuir diploma de curso superior específico para a área de formação, com a respectiva especialidade, capaz de atender às necessidades da Perícia Criminal Federal, a serem definidas no edital do concurso (grifo nosso).

11. A Lei no 9.688, de 6 de julho de 1988, extinguiu os cargos de Censor Federal e enquadrou os seus atuais ocupantes, conforme a seguir:

Art. 1º São extintos os cargos de Censor Federal a que se refere a Lei no 9.266, de 15 de março de 1996, e seus atuais ocupantes serão enquadrados em cargos de Perito Criminal Federal e de Delegado de Polícia Federal da Carreira Policial Federal, observada a respectiva classe, após conclusão de curso específico organizado pelo Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça.
Parágrafo único. Para o enquadramento em cargo de Delegado de Polícia Federal será exigido, adicionalmente, diploma de Bacharel em Direito.

Art. 2 São garantidos aos servidores aposentados em cargos de Censor Federal, bem como aos beneficiários de instituidores de pensão que também ocupavam o referido cargo, os direitos, vantagens e nomenclaturas inerentes aos cargos de Perito Criminal Federal e de Delegado de Polícia Federal da Carreira de Policial Federal [1].

12. A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre a Polícia Federal no art. 144, § 1o, referiu-se que a polícia federal é estruturada em carreira:

CAPÍTULO III
DA SEGURANÇA PÚBLICA
Art. 144 A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - Polícia Federal;
[...]

§ 1o A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a ... [2]

13. A estrutura da Carreira Policial Federal foi concebida assim, como “carreira”, no singular, conforme se verifica nas Notas Taquigráficas[3] que registraram o teor da Ata da 7o Reunião Ordinária, de 20 de setembro de 1988, na qual a Emenda no 292, do então constituinte Nelson Jobim, criou a estrutura de carreira para a Polícia Federal:

O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães): – Em vez de "instituída por lei", "estruturada".
O SR. CONSTITUINTE SÓLON BORGES DOS REIS:
– Em carreira única ou carreiras? A polícia civil e a ferroviária têm a mesma carreira?
O SR. CONSTITUINTE NELSON JOBIM: – Não, é a mesma linguagem.
O SR. RELATOR (Bernardo Cabral): – A proposta do Constituinte Nelson Jobim, diz: "A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturada em carreira."
[...]

O SR. CONSTITUINTE JOSÉ FOGAÇA: – A melhor concordância é "estruturado em carreira". É o órgão que é estruturado em carreira, como nas outras.

14. A Lei no 9.266, de 15/03/1996, reorganizou a Carreira Policial Federal e dispôs que o ingresso nos cargos da Carreira Policial Federal exige o 3o grau de escolaridade (nível superior):

Art. 2o O ingresso nos cargos da Carreira Policial Federal far-se-á mediante concurso público, exigido o 3o grau de escolaridade, sempre na segunda classe, observados os requisitos fixados na legislação pertinente. (redação alterada pela Lei no 11.095/2005)

15. O art.2o da Lei no 9.266, teve nova redação dada pela Lei no 11.095, de 13/01/2005, mantendo o nível superior da Carreira Policial Federal:

"Art. 2o O ingresso nos cargos da Carreira Policial Federal far-se-á mediante concurso público, exigido o curso superior completo, em nível de graduação, sempre na 3a (terceira) classe, observados os requisitos fixados na legislação pertinente (redação alterada pela MPV 650/2014, de 30/06/2014).

16. A Medida Provisória no 650/2014, de 30/06/2014, por sua vez, produziu mais uma alteração na redação do art.2o da Lei no 9.266/96, mantendo o nível de escolaridade superior dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista que integram a Carreira Policial Federal:

Art. 2o A Lei no 9.266, de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 2o A Carreira Policial Federal é composta por cargos de nível superior, cujo ingresso ocorrerá sempre na terceira classe, mediante concurso público, de provas ou de provas e títulos, exigido o curso superior completo, em nível de graduação, observados os requisitos fixados na legislação pertinente. ....................................” (NR)

17. Veja-se que duas alterações no art. 2o da Lei no 9.266/96 visaram dispor da maneira mais clara possível sobre o nível superior dos cargos da Carreira Policial Federal, alinhando todos os cargos no mesmo nível de escolaridade, o que é próprio de um órgão estruturado em carreira.

18. A classificação do nível superior dos cargos EPAs pela Lei no 9.266/96 veio se coadunar com a importância que esses cargos representam para a segurança pública nacional, fazendo parte das “Carreiras Típicas de Estado”, que são constituídas por servidores cujas atividades estão voltadas para as atividades exclusivas de Estado, relacionadas com a formulação, controle e avaliação de políticas públicas e com a realização de atividades que pressupõem o poder de Estado.

19. Assim, em todas as instâncias da Federação, as Carreiras Típicas de Estado se estruturam a partir da carreira de servidores públicos estatutários, formada por cargos de provimento efetivo, exercendo atividade-fim no órgão, devidamente concursados e dotados de garantias aptas a reprimir os efeitos nefastos de políticas de governo (transitórios), em detrimento dos interesses do Estado (perenes). Assim são os cargos da Carreira Policial Federal.

20. Os Escrivães, Papiloscopistas e Agentes, integrantes das Carreiras Típicas de Estado, desempenham, de fato, diversas atividades de alto grau de complexidade e responsabilidade, compatível com o nível superior de seus cargos, inerentes às competências constitucionais e legais compelidas à Polícia Federal.

21. A previsão pela Lei no 9266/96 do requisito de formação universitária para todos os policiais da Carreira Policial Federal representou um avanço para a Polícia Federal brasileira, modelo inspirado no FBI (Federal Bureau of Investigation - Polícia Federal norte americana), consolidando o objetivo de juntar investigação e formação diversificada dos profissionais para dotar de metodologias científicas as atividades operacionais, de inteligência policial e análise criminal.

22. Nesse contexto, a multidisciplinaridade das formações de terceiro grau dos Agentes, Escrivães e Papiloscopistas permitiu que se pudesse contar com várias opções de atuação, no combate eficiente, eficaz e efetivo, contra a criminalidade cada vez mais organizada no País.

23. Ocorre que o nível superior dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista nunca foi respeitado e, muito menos, efetivamente implantado pelo Governo Federal. Até a publicação da MP 650/14, o Governo Federal, por meio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG, mantinha a classificação desses cargos como de nível médio no cadastro no Sistema de Pessoal Civil (SIPEC).

24. A Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento (SRH/MP) entende que a Lei 9.266/96, antes da sua alteração pela MP 650/2014, não procedeu à reestruturação dos cargos de Papiloscopista, Escrivão e Agente da Polícia Federal, alegando que nesta somente ocorreu a exigência do 3o grau de escolaridade para o ingresso.

25. Essa interpretação extensiva do Governo Federal/MPOG/DPF configura um imbróglio que contraria o ordenamento jurídico e as normas do direito administrativo, uma vez que não existe a figura do “cargo público com duplo nível de escolaridade”, um inerente ao cargo e outro inerente ao ingresso no cargo.

26. Ao SIPEC/SRH/MPOG compete privativamente, dentre outras atribuições, a coordenação, supervisão, controle e normatização em matéria de pessoal civil no âmbito do Poder Executivo Federal.4 O SIPEC é normatizado e supervisionado pela Secretaria de Recursos Humanos – SRH/MP, órgão subordinado diretamente ao Ministro do MPOG.

27. O Estatuto dos Funcionários Públicos Federais (Lei 8.112/90) define que todo cargo público precisa ter sua criação, denominação, vencimento e atribuições instituídas em lei e que são requisitos básicos para investidura em cargo público o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo:

Art. 5o São requisitos básicos para investidura em cargo público:
[...]

IV - o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;

28. Ademais, considerar os cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista como de nível médio e não permitir que candidatos com nível médio de escolaridade participem da seleção pública para esses cargos, viola frontalmente o “princípio do concurso público” esculpido no art. 37, II, da Constituição Federal,

CF, Art. 37: I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvada as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

29. No ano de 2000, o TCU recebeu denúncia sobre incorreções no pagamento de diárias aos ocupantes dos cargos de Escrivão, Agente e Papiloscopista Policial Federal, em face do nível superior dos cargos decorrentes da reorganização da Carreira Policial Federal procedida pela Lei no 9.266/96.

30. O TCU então exarou a Decisão no 1.003/2000TCU-Plenário, a qual determinou ao Departamento de Polícia Federal que, “ao conceder diárias aos servidores ocupantes dos cargos de agente, escrivão e papiloscopista, obedeça aos valores estipulados para cargos de nível superior, nos termos do art. 2o da Lei no 9.266/96, c/c o art. 1o e Anexo do Decreto no 343/91”.

31. Referida decisão foi ratificada no julgamento do Pedido de Reexame da Decisão no 1.003/2000-TCU-Plenário, em que o Plenário do Tribunal de Contas da União, por meio da Decisão/TCU n°643/2002 (LINK), asseverou que os cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista são de nível superior desde a publicação da Lei no 9266/96, uma vez que esta passou a exigir esse requisito para provimento nos cargos, in verbis:

[...] Não nos parece razoável o entendimento de que a Administração possa exigir que os ocupantes de determinado cargo possuam a graduação superior, e classificar esse cargo como se de nível médio fosse.
A nosso ver, a exigência de graduação superior é determinante para a classificação do cargo – portanto, se a lei exigiu a escolaridade relativa ao terceiro grau implica dizer que as atividades desse cargo são complexas ao ponto de justificar a sua classificação no nível superior. Caso contrário, não haveria motivos para tal exigência. Salvo melhor juízo, a Lei 9.266/96 remanejou os cargos sob comento, da categoria de nível médio para a de nível superior.
A interpretação da Lei não pode levar a situação descabida como a que defende o Órgão Central do SIPEC.
Cabe lembrar que a Lei 5.645, de 10 de dezembro de 1970, ainda vigente, citada pelo denunciante, em seu expediente constante do Volume I desses autos, define que a exigência de diploma de curso superior de ensino ou habilitação legal equivalente é premissa básica para a classificação de cargos no nível superior, e ainda, o diploma ou certificado de conclusão de curso de grau médio ou equivalente é condição para o provimento de cargos de nível médio (artigo 3o, incisos IX e X).

No tocante à divergência de interpretação da norma, releva notar que o entendimento corrente nesta Corte de Contas, é de que, a despeito de a SRH/MP, na função de Órgão Central do Sistema SIPEC, exercer a incumbência de orientação e controle interno dos assuntos referentes a pessoal civil da Administração Pública Federal, nos termos da legislação em vigor, a este Tribunal cabe, por desiderato da Carta Magna, a missão de controle externo, e, ressalvada a apreciação do Poder judiciário, a determinação deste Tribunal deve prevalecer, posto que dirigida a órgão sob a sua jurisdição, bem como sobre matéria que se insere na sua competência constitucional.” [...]

32.A Lei no 5.645, de 10 de dezembro de 1970, referida na Decisão retro do TCU, estabeleceu as diretrizes para a classificação de cargos do Serviço Civil da União e dispõe no artigo art.3o, incisos IX e X, que a exigência de diploma de curso superior de ensino ou habilitação legal equivalente para o provimento de cargo público é premissa básica para a classificação desse cargo como de nível superior, in fine:

Art. 2o Os cargos serão classificados como de provimento em comissão e de provimento efetivo, enquadrando-se, basicamente, nos seguintes Grupos:

De Provimento Efetivo
IX - Outras atividades de nível superior
Art. 3o Segundo a correlação e afinidade, a natureza dos trabalhos, ou o nível de conhecimentos aplicados, cada Grupo, abrangendo várias atividades, compreenderá:
IX - Outras atividades de nível superior: os demais cargos para cujo provimento se exija diploma de curso superior de ensino ou habilitação legal equivalente.

X - Outras atividades de nível médio: os demais cargos para cujo provimento se exija diploma ou certificado de conclusão de curso de grau médio ou habilitação equivalente.

33. O Ministério Público Federal (MPF) no parecer de fls. 105/106, acostado à Decisão/TCU n°643/2002-Plenária, manifestou-se de acordo com o parecer do Relator do TCU e as propostas da Unidade Técnica, tendo registrado que:

[...] com o advento da Lei 9.266/96, os cargos que compõem a Carreira Policial Federal passaram a ser, em sua totalidade, cargos de nível superior, não havendo razão para que os ocupantes de cargos de Escrivão, de Agente e de Papiloscopista continuem a receber diárias de nível médio.

34. Consta ainda na citada Decisão do TCU a decisão judicial proferida no Acórdão da Turma do TRF da 5a Região, ao apreciar a Apelação Cível 267143–AL, na qual também reconheceu o nível superior dos cargos de Escrivão, Papiloscopista e Agente de Polícia Federal, conforme ementa:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. POLICIAIS FEDERAIS. PAGAMENTO DE DIÁRIAS. ISONOMIA. REESTRUTURAÇÃO DA CARREIRA. LEI No 9.266/96.
I. A exigência de conclusão de curso de nível superior, para o ingresso na Carreira de Policial Federal, estabelecida com a edição da Lei no 9.266/96, não criou diferenciação entre os servidores admitidos na Instituição anteriormente à nova disciplina legal, e aqueles que lá ingressaram a partir de então.
II. Inexistindo diferenças entre as funções desempenhadas pelos servidores que ocupam os mesmos cargos, e considerando o seu reenquadramento, independente de requerimento, dentro da nova estrutura da Polícia Federal, como sendo de nível superior, as diárias devem ser pagas em valor correspondente a esta classificação, não sendo mais aplicáveis, desde o advento da Lei no 9.266/96, as disposições normativas anteriores, que estabeleciam diferenças nos pagamentos das diárias.

III. Apelação provida”.

35. Assim, verifica-se que a Decisão 643/2002-TCU-Plenário fundamentou- se nas Leis no 9.266/96 e 5645/70, no Parecer do MPF e na decisão judicial do TRF 5a Região, concluindo, de forma incontroversa, que os cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista da Polícia Federal são de nível superior.

36. Essa Decisão/TCU n° 643/2002-Plenário foi encaminhada pela Secretaria de Recursos Humanos (SRH/MPOG) para parecer da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (CONJUR/MPOG) resultando no PARECER/CONJUR/RA/MP/N°1705-2.5/2002 (Processo n° 03000.002834/2002-18), dispondo:

[...] Quanto ao mérito da decisão proferida no âmbito do TCU, somos pela correção da tese nela consignada, no sentido de que os servidores públicos titulares de cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista da Carreira Policial Federal, devam perceber diárias com os valores idênticos aos pagos aos servidores de nível superior, investidos em tais cargos, posteriormente ao advento da Lei n° 9.266, de 1996.
Isto porque diversa é a situação do servidor que, investido em cargo de nível médio e passa, através de ato administrativo e independentemente de prévia aprovação em concurso público, a titularizar novo cargo, para o qual se exige nível superior, caracterizando ascensão funcional, repudiada pelo ordenamento, do servidor que, investido em cargo de nível médio, em virtude de lei posterior que vem a exigir curso superior para o ingresso nesse mesmo cargo e que reorganiza a carreira respectiva, mediante expressa opção, vem a ser enquadrado na carreira em situação idêntica à dos novos concursados, de nível superior, tendo-se em vista que permaneceram inalteradas a denominação e as atribuições do cargo.

Na segunda hipótese, não há que se falar em ascensão funcional, mas em mero tratamento isonômico para titulares de cargos com idêntica denominação e atribuições, natureza, grau de complexidade e responsabilidade, sendo que a adequação dos padrões de vencimento ao novo requisito para investidura está em plena consonância com a regra prescrita no art. 39, §1° da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 19, de 1998, e que consigna, verbis:

“Art.39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos poderes".
§1°. A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:
I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;
II – os requisitos para a investidura;

III – as peculiaridades dos cargos. [...]

O ingresso dos servidores de nível de escolaridade médio nos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista, da Carreira Policial Federal, com base no Decreto-lei no 2.251, de 26 de fevereiro de 1985, deu-se segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou, que exigia tão-somente grau de escolaridade médio para tais cargos, na forma do Anexo respectivo, constituindo ato jurídico perfeito e acabado.
Se posteriormente a lei passou a exigir curso superior para ingresso em tais cargos, mantendo a mesma denominação e atribuições, restando inalterada a natureza do cargo, torna-se inconcebível que a ele correspondam valores discrepantes a título de vencimentos, única e exclusivamente com base no grau de escolaridade diverso dos nele investidos, se tais investiduras atendiam os requisitos legais ao tempo em que ocorreram, sob pena de afronta ao princípio da isonomia e à norma cogente que dispôs em sentido contrário, ao resguardar o direito ao enquadramento na nova tabela de vencimentos, àqueles que ingressaram anteriormente ao advento da Lei no 9.266, de 1996, senão vejamos [...]:
Inequivocamente ao possibilitar, no art.6o, caput, a opção pelo enquadramento, no prazo de sessenta dias, está a Lei no 9.266, de 1996, dirigindo-se aos que já eram titulares de cargos da Carreira Policial Federal na data de sua promulgação, pois, quanto aos investidos posteriormente, a aplicação da tabela constante do Anexo I é automática, nos termos do art.2o e seguintes da referida Lei.
Ademais, especificamente no que respeita às diárias, deve-se ter em conta que o art. 2° da Lei n° 9.266, de 1996 guindou os cargos de Agente, Escrivão, Papiloscopista da Carreira Policial Federal, à condição de cargos de nível superior e o art.1o e Anexo I do Decreto no 343, de 1991, com redação dada pelo Decreto no 3.643, de 2000, definem o valor das diárias em função da natureza do cargo, do que resulta que o direito à percepção de diárias relativas aos de nível superior, como ocorrente in casu, independente, inclusive do enquadramento a que se refere o art.6o, da Lei no 9.266, de 1996, que se refere, exclusivamente, à inserção nas tabelas de vencimento, e as diárias possuem natureza indenizatória e não retribuição pelo exercício do cargo.

Assim sendo, estando assente, no caso específico da apreciação da legalidade do critério adotado para o pagamento de diárias aos Agentes, Papiloscopistas e Escrivães da Carreira Policial, a competência do colendo Tribunal de Contas, no exercício de sua função fiscalizadora, e não havendo qualquer reparo a fazer quanto ao mérito daquela decisão, somos pelo seu cabal cumprimento, no âmbito da Secretaria de Recursos Humanos. Propomos o retorno dos presentes autos, de n° 03000.002834/2002-18 àquela Secretaria, para conhecimento e adoção das providências cabíveis. Brasília, 06 de agosto de 2002.

37. Mesmo com esse primoroso Parecer da sua Consultoria Jurídica (CONJUR), o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão continuou a manter os cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista classificados como nível médio no cadastro do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal – SIPEC/SRH/MPOG. 

38. Essa recalcitrância do Governo Federal/MPOG em ignorar o nível superior dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista definido pela Lei no 9266/96 já dura mais de dezoito (18) anos. A MP 650/2014 veio para resolver, definitivamente, sobre essa classificação.

39. O nível de escolaridade do cargo é critério decisivo para seu posicionamento e organização na Carreira e para a sua correspondente remuneração. Dessa forma, a classificação dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista em nível inferior no cadastro do SIPEC produziu prejuízos incalculáveis aos ocupantes dos cargos, especialmente em suas remunerações, violando inclusive, garantias individuais constitucionalmente asseguradas.

40. O Decreto-lei 200/1967, que dispôs sobre a organização da Administração Federal e estabeleceu diretrizes para a Reforma Administrativa, definiu:

Art. 94 - O Poder Executivo promoverá a revisão da legislação e das normas regulamentares relativas ao pessoal do Serviço Público Civil, com o objetivo de ajustá-las aos seguintes princípios:
[...]

VI - Retribuição baseada na classificação das funções a desempenhar, levando-se em conta o nível educacional exigido pelos deveres e responsabilidade do cargo, a experiência que o exercício deste requer, a satisfação de outros requisitos que se reputarem essenciais ao seu desempenho e às condições do mercado de trabalho.

41. Observe-se inicialmente que na “Apresentação” (pág.4) do Caderno 64 do MPOG[5] são definidos alguns conceitos para facilitar a compreensão da Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Civis do Poder Executivo, destacando-se o seguinte:

Classe-Padrão: é a forma como estão estruturados os cargos/carreiras, onde a classe corresponde ao conjunto de padrões e a cada padrão correspondente um valor da estrutura remuneratória.

42. A errônea classificação do nível de escolaridade dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista da Carreira da Polícia Federal e a falta das atribuições dos cargos em lei causaram, e ainda causam, sérios prejuízos a esses policiais, gerando esse sentimento de desvalorização dentro da instituição e perante as demais carreiras de servidores, especialmente do Poder Executivo, uma vez que não há tratamento isonômico. Mais grave ainda, provocou a estagnação do patamar salarial dos policiais federais em relação às demais de nível superior do Poder Executivo, todas Carreiras Típicas de Estado.

43. Conclui-se que todos os cargos da Carreira Policial Federal são de “NÍVEL SUPERIOR”, uma vez que há relação direta e íntima entre “requisito de escolaridade” e “classificação do cargo” e essa condição precisa ser respeitada.

44. Essa é correta interpretação da Lei no 9266/96 que foi dada pelo Tribunal de Contas da União na Decisão no 643/2002-TCU-Plenário (Processo TCU 004.149/2000-5), fundamentada no próprio texto da Lei no 9.266/96, e ainda no que dispõe a Lei no 5.645/70, o Parecer do MPF e o Acordão da Turma do TRF da 5a Região (Apelação Cível 267143–AL). Essa decisão foi confirmada, no mérito, pelo PARECER/CONJUR/RA/MP/N°1705-2.5/2002 (Processo n°03000.002834/2002-18).

Do reajuste de 15,8% para os Agentes, Escrivães e Papiloscopistas

45. O Ministério do Planejamento enviou ao Congresso Nacional, em agosto de 2012, o projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2013 em que 1.693 milhão de servidores civis da União aceitaram a proposta do governo de concessão de 15,8% de reajuste nas remunerações, em três parcelas anuais (2013, 2014 e 2015).

46. Esse índice de “reajuste” ficou aquém da recuperação das perdas salariais decorridas da inflação nos últimos anos, estimada em mais de 40%. Ademais, o parcelamento desse índice em três anos implica aumento desse prejuízo monetário nas remunerações e subsídios.

47. Os Agentes, Escrivães e Papiloscopistas da Polícia Federal são os únicos cargos do Governo Federal que ainda não receberam esse reajuste de 15,8% concedidos pelo Governo Federal a todos os servidores civis federais, mesmo estando há mais de sete anos sem qualquer aumento. A Medida Provisória no 650/2014, decorrente do Termo de Acordo no 001/2014, firmado entre a FENAPEF e o Governo Federal, pretendem implementar, a partir de 20 de junho de 2014, a primeira parcela desse índice.

48. O reajuste de 15,8% dos Agentes, Escrivães e Papiloscopistas da Polícia Federal não foi previsto no orçamento deste ano. Por isso, faz-se necessário aprovar o PLN 5/2014 que autoriza esse aumento na Lei Orçamentária Anual (LOA), o qual está aguardando quórum para ser votado pelo Congresso Nacional.

49. Ressalte-se que o índice de 15,8% concedido pelo Governo Federal a todas as categorias de servidores civis da União como sendo um “reajuste”, é, de fato, típica “revisão geral anual” que não é aumento, mas sim, mera recomposição do poder aquisitivo da moeda, diante das perdas da inflação.

50. No julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade no 3599/2005, o Ministro Carlos Britto, em seu voto, diferencia reajuste de revisão geral de remuneração:

“Entendo que em matéria de remuneração há apenas duas categorias ou dois institutos. Ou o instituto é o da revisão, a implicar mera reposição do Poder aquisitivo da moeda, por isso que a Constituição no inciso X do art. 37 fala de índices e datas absolutamente uniformes, iguais; ou, não sendo revisão, será reajuste – que eu tenho como sinônimo de aumento. Então, de um lado, temos ou revisão, que não é aumento, é mera recomposição do poder aquisitivo da moeda, ou, então, aumento. Mesmo que a lei chame de reajuste, entendo que é um aumento. Aí, sim, há uma elevação na expressão monetária do vencimento mais do que nominal e, sim, real. Aumento tem a ver com densificação no plano real, no plano material do padrão remuneratório do servidor; revisão, não. Com ela se dá uma alteração meramente nominal no padrão remuneratório do servidor, mas sem um ganho real.” (destacou- se/grifou-se)

É óbvio que os “reajustes” perpetrados pelo Poder Executivo, por intermédio de diversas leis, dentre elas a Lei 12.773/2012, tiveram como condão apenas uma recuperação nominal dos vencimentos do funcionalismo público. Não houve aumento real, mas mera recomposição salarial.

51.  A Constituição Federal assegura a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices, da remuneração dos servidores públicos:

Art.37, X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4o do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

52. A Lei no 9266/96 também dispôs sobre a revisão geral anual para os cargos da Carreira Policial Federal:

Art. 3o O vencimento básico dos cargos da Carreira Policial Federal é o constante do Anexo II e será revisto na mesma data e no mesmo percentual aplicado aos demais servidores públicos civis da União.

53. A Lei no 10.331/2001 instituiu o mês de janeiro para a revisão geral anual, sem distinção de índices extensivos aos proventos de inatividade e pensões:

Lei no 10.331/2001 - Art. 1o As remunerações e os subsídios dos servidores públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, serão revistos, na forma do inciso X do art. 37 da Constituição, no mês de janeiro, sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões.

54. O artigo 37, X, CF/88, não precisa ser regulamentado, pois é autoaplicável a vontade do Legislador, conforme afirma o Ministro Cézar Peluso:

O artigo 37, X, CF/88, não precisa de regulamentação, é autoaplicável, pois exaure no próprio dispositivo constitucional a vontade do Legislador: deverá ser uma revisão (recompor as perdas inflacionárias); de forma geral (concedida pelo Presidente aos servidores dos três poderes); anualmente (fixa a data-base e a obrigatoriedade); e sem distinção de índices (determina haver isonomia de índice quando da revisão, para recompor a perda inflacionária, mantendo o valor real das remunerações, de forma indistinta, ou seja, a revisão não deve ser num valor nominal qualquer, mas sim, representar a mesma revisão real para cada servidor).
Desta forma, a Lei 10.331/01 deve ser encarada tão somente como a lei que concedeu a revisão geral anual do ano de 2002, no ínfimo e incompleto índice de 3,5% e não como a lei que regulamenta o artigo 37, X, CF/88, razão pela qual deve ser declarada inconstitucional neste particular, mantendo-se tão somente o seu artigo 5°, que fixou o referido índice de 3,5% para 2002.
Ora! Na realidade tal Lei 10.331/01 foi um subterfúgio fraudulento utilizado para tentar impossibilitar a concessão da revisão remuneratória nos termos fixados na Constituição Federal. Tentaram escamotear os ditames Constitucionais, através de uma simples Lei Ordinária – inconstitucional – que se diz regulamentar a Lei Maior.
O artigo 2° desta Lei Ordinária estabeleceu requisitos para haver a concessão da revisão geral anual que não existem no artigo 37, X, CF/88 e que contrariam os artigos 22, parágrafo único, I, e 71 da Lei Complementar n° 101/2000 (Responsabilidade Fiscal).

Também há de ser observado que uma Lei Complementar se sobrepõe às Leis Ordinárias, colocando-se num prisma hierarquicamente superior, pois, além do mais, exige sua aprovação pela maioria absoluta dos parlamentares. Assim, também não há de ser considerada eventual alegação de que a Lei Ordinária 10.331/01 tenha revogado os artigos 22, parágrafo único, I, e 71 da LC 101/2000, pois isto jamais poderia ter ocorrido.

55. Julgados do STF, em ações diretas de inconstitucionalidade, também distinguiram “revisão” de “aumento” ou “reestruturação”.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL 10331/01 QUE REGULAMENTA A REVISÃO GERAL E ANUAL DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. ARTIGO 3o: POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DOS ADIANTAMENTOS OU QUAISQUER OUTROS AUMENTOS CONCEDIDOS NO EXERCÍCIO ANTERIOR. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O inciso X do artigo 37 da Carta Federal autoriza a concessão de aumentos reais aos servidores públicos, lato sensu, e determina a revisão geral anual das respectivas remunerações. Sem embargo da divergência conceitual entre as duas espécies de acréscimo salarial, inexiste óbice de ordem constitucional para que a lei ordinária disponha, com antecedência, que os reajustes individualizados no exercício anterior sejam deduzidos da próxima correção ordinária. 2. A ausência de compensação importaria desvirtuamento da reestruturação aprovada pela União no decorrer do exercício, resultando acréscimo salarial superior ao autorizado em lei. Implicaria, por outro lado, necessidade de redução do índice de revisão anual, em evidente prejuízo às categorias funcionais que não tiveram qualquer aumento. 3. Espécies de reajustamento de vencimentos que são inter-relacionadas, pois dependem de previsão orçamentária própria, são custeadas pela mesma fonte de receita e repercutem na esfera jurídica dos mesmos destinatários. Razoabilidade da previsão legal. Ação direta improcedente.”3 (destacou-se/grifou-se) 3 STF, ADI 2726, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 05/12/2002, DJ 29- 08-2003 PP-00017 EMENT VOL-02121-07 PP-01264.

56. A leitura do Mandado de Injunção Coletivo – MI n° 2.773 – impetrado perante o Supremo Tribunal Federal merece atenção e destaque à interpretação dada pelo Ministro Cezar Peluso, no que tange ao artigo 37, inciso X, da Carta Magna, em destaque:

“Na verdade, a norma dirige-se a cada Poder. Impõe a cada Poder a necessidade de, pela iniciativa exclusiva já prevista em outras normas, fazer aprovar uma lei específica. Nesse sentido, é norma cujos destinatários são os Três Poderes. E, depois, estabelece, em favor dos funcionários, uma garantia que é a de obterem, pelo menos, em cada ano, na mesma data, sem distinção de índice, a recomposição do resíduo inflacionário que implicou perda do poder aquisitivo daquela quantidade de moeda representada pelos seus vencimentos (ADI 3.359/DF, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 21/05/2007, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJe – 14- 09-2007).”

57. Assim, revisão não significa aumento, mas recomposição da remuneração, restabelecendo o status quo ante, ou seja, o valor real da remuneração permanecerá o mesmo, pois somente irá recompor as perdas inflacionárias, sendo considerada, portanto, uma simples correção monetária da moeda. Ocorre que esta irredutibilidade real, que se daria mediante a revisão geral anual, não vem ocorrendo, em frontal desatenção a direito líquido e certo que cabe aos servidores públicos.

58. Ademais, sendo a revisão um direito líquido e certo, não precisa ser ratificado mediante um ato formal de aceitação, sendo autoaplicável, periódica e independente de lei, devendo, portanto, ser implantada automaticamente na remuneração de todos os servidores públicos, cuja violação pode ser reparada via mandado de segurança coletivo, dentre outras medidas judiciais cabíveis.

59. Esse índice de reajuste de 15,8%, concedido pelo Governo Federal para todos os servidores públicos civis da União, foi uma “revisão geral anual camuflada”, Na verdade, o Governo Federal de maneira astuciosa chamou as categorias para assinarem a aceitação do índice de reajuste padrão de 15,8% e chamou essa negociação de “reestruturação”.

60. É óbvio que os “reajustes” perpetrados pelo Poder Executivo, por intermédio de diversas leis, dentre elas a Lei 12.773/2012, tiveram como condão, apenas, uma recuperação nominal dos vencimentos do funcionalismo público. Não houve aumento real, mas mera recomposição salarial.

61. Ainda, o reajuste linear de 15,8% deixa clara a generalidade e a coincidência do período de revisão imposto pelo Executivo para as carreiras dos servidores públicos federais. Por mais que tivesse implementado essa revisão em diversas leis diferentes, não descaracterizou, portanto, a revisão geral anual de que trata o inciso X do artigo 37 da Constituição[6].

62. Os tribunais já vêm decidindo pela natureza de “revisão geral disfarçada” desse índice de 15,8% concedido pelo Governo Federal em 2012. Em julgamento realizado pela Justiça Federal de Sergipe, também foi reconhecido que o índice de reajuste de 15,8% trata-se de revisão: “negociações individualizadas obtiveram índices de reajustes iguais ou superiores ao aqui entendido como "revisão geral disfarçada". (JFSE, Proc. 0503084-30.2013.4.05.8500T, Data da Validação 27/11/2013).

63. A Justiça Federal da Bahia, em recente decisão do Juiz Federal Juiz Dirley da Cunha Junior, renomado constitucionalista e autor de vários livros, nos autos do Processo no 0012230-15.2014.4.01.3300, reconheceu em 22/05/2014 o direito de um agente de polícia federal aposentado, Antonio José Meireles, ao recebimento do mesmo índice concedido aos Peritos e Delegados da Polícia Federal pela Lei no Lei 12.775/2012:

“Sem maiores embaraços, é possível constatar a notória irregularidade na qual é incursa a União Federal ao contemplar determinadas carreiras, excluindo outra(s), dentro de uma mesma instituição, qual seja a Polícia Federal, irregularidade essa maculada com a mais gravosa das ilicitudes: a inconstitucionalidade, primeiro pelo flagrante desprestígio à isonomia, notadamente em face do caráter unitário da Polícia Federal (artigo 144, CF/88), fato este inconcebível para um Estado Democrático de Direito (art. 1° da Constituição da República), segundo pela ofensa ao art. 37, X, da Carta Política”. 
Como é cediço, a Constituição da República prevê com censura jurídica a omissão legislativa. E, nesse passo, não se poderia deixar de aplicar ao autor o novo regramento previsto no Quadro I, anexo VIII da Lei 12.775/2002, sobretudo porque sujeito, assim como os citados servidores ocupantes dos cargos de Delegado e Perito Criminal da Polícia Federal, ao regramento geral da Lei no. 8.112/1991.
Percebe-se, assim, a existência de um direito subjetivo do autor em receber os reajustes gerais percebidos pelos ocupantes dos cargos acima referidos, com vistas a afastar parte das perdas inflacionárias sofridas, tal como previsto na novel legislação, não havendo justificativa, portanto, para o discrímen perpetrado pelo legislador, devendo a questão ser resolvida com base em um juízo de juridicidade de modo a ilidir a inconstitucionalidade verificada.
Ora, os reajustes previstos pela Lei 12.775/12 são legítimos, fazendo cumprir, inclusive, norma constitucional (art. 37, X, CF), não tendo sido aplicados diretamente ao promovente única e exclusivamente em virtude de uma omissão parcial, caracterizadora de inconstitucionalidade e passível de integração por meio de um provimento judicial, que virá ao encontro da norma não efetivada integralmente pelo Poder Legislativo.

Desse modo, faz jus o autor aos aumentos salariais nos percentuais determinados pelo Quadro I, anexo VIII da Lei 12.775/2002, que compõem a novel disciplina da atualização dos rendimentos dos Delegados e Peritos Criminais da Polícia Federal.

Por fim, nem se venha alegar que tal pronunciamento fere o quanto disposto na Súmula 339 do STF, visto que não se está aumentando vencimentos do servidor com base no princípio da isonomia, mas, sim, reparando omissão injustificada, promovida pelo Poder Legislativo, que disciplinou de forma distinta situações juridicamente idênticas, causando prejuízo de ordem financeira ao demandante, passível de correção pelo Judiciário.
Isto posto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS formulados pela parte autora para condenar a União Federal a:
A) proceder aos reajustes gerais anuais nos proventos do acionante, na forma instituída pelo Quadro I, anexo VIII da Lei 12.775/2002 para os cargos de Delegado e Perito Criminal da Polícia Federal;
B) implantar, em folha de pagamento, os valores acima referidos;

C) pagar as diferenças vencidas, referentes aos valores remuneratórios efetivamente pagos pelo ente demandado e aqueles que deveriam ser pagos ao autor caso tivessem sido obedecidos os percentuais de reajuste previstos no Quadro I, anexo VIII da Lei 12.775/2002, obedecidas as respectivas data-base, acrescidas da correção monetária e juros de mora previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Em julgamento realizado pela Justiça Federal de Sergipe, também foi reconhecido que o índice de reajuste de 15,8% trata-se de revisão, que o Juiz Federal apelidou de “REVISÃO GERAL DISFARÇADA”: “negociações individualizadas obtiveram índices de reajustes iguais ou superiores ao aqui entendido como "revisão geral disfarçada". (JFSE, Proc. 0503084- 30.2013.4.05.8500T, Data da Validação 27/11/2013).

65. Esse reajuste/revisão geral de 15,8% é, portanto, um direito líquido e certo dos Agentes, Escrivães e Papiloscopistas da Polícia Federal, uma vez que foi concedido a todos os servidores civis federais.

66. Diante do exposto, conclui-se que a Medida Provisória 650/2014 e sua conversão em lei virá ratificar, definitivamente, o nível superior dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista, bem como conceder o reajuste de 15,8% concedido uniformemente às categorias, por ser questão legalidade, razoabilidade e justiça.

Magne Cristine Cabral da Silva

Membro do Conselho Jurídico da Federação Nacional dos Policiai Federais - FENAPEF

Referências:

1. Constituição Federal, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 23 e parágrafo único: Art. 23. Até que se edite a regulamentação do art. 21, XVI, da Constituição, os atuais ocupantes do cargo de censor federal continuarão exercendo funções com este compatíveis, no Departamento de Polícia Federal, observadas as disposições constitucionais. Parágrafo único. A lei referida disporá sobre o aproveitamento dos Censores Federais, nos termos deste artigo.
2. BRASIL. CONSTITUIÇÃO (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 28 set. 2013.
3. BRASIL, Senado Federal. Ata da 7a Reunião Ordinária, 1988. Anais da Assembleia Constituinte, de 20.09.1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp/CT_Abertura.asp>. Acesso em: 10/08/2013.
4. Nos termos do art. 17 da Lei no 7.293, de 1989; art.1o, inciso VI e art.2o, inciso II, “f” do Anexo I, do Decreto no 3.858, de 04/07/2001; Anexo III da Portaria MP no 272, de 16 de novembro de 2001.
5.http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/servidor/publicacoes/tabela_de_remuneracao /tab_rem_14/tab_64_2014_2.pdf)
6 http://www.sinjufego.org.br/index.php/publicacoes/noticias/5447-acao-do-reajuste-da-vpni-15-8